sábado, 14 de março de 2009

Lunduns

Dois grandes blocos étnico-culturais de negros e africanos vieram para o Brasil com o tráfico negreiro: os bantos e os nagôs. Os bantos são povos de diversas etnias de Angola, Congo e Moçambique.
Foram trazidos em grande quantidade principalmente para a Bahia, Maranhão, Pernambuco, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Trabalharam nos engenhos de açúcar do nordeste no século XVII, na mineração de ouro e diamantes em Minas Gerais no século XVIII e, no século XIX, nas plantações de café do sudeste.
Os escravos trabalhavam exaustivamente, isolados em fazendas distantes. Os batuques eram o raro momento de reunião e festa. Por outro lado, o tédio fazia com que essas festas se tornassem a única opção de lazer da elite branca que ia assistir a celebração dos escravos.
Os brancos não distinguiam se as festas eram religiosas ou de divertimento, sendo difícil de entender o modo de pensar do africano, que não via diferença entre o mundo visível, dos homens, e o invisível, dos ancestrais e divindades. O sagrado fazia parte da sua vida durante todo o dia, em todos os atos, e não excluía o prazer e a alegria.
O Lundum foi uma das danças mais populares do Brasil no século XVIII e é de origem negra. Foi a primeira forma de *batuque africano estruturado, de forma que podia ser imitado com sucesso por mestiços e até brancos. O lundum e o baiano, danças de origem negra, acabaram sendo praticadas pela elite, entrando como uma febre pelos salões das casas grandes, tanto fazendas quanto na Corte.
Enquanto dança, considera-se que a coreografia do Lundum origina-se do fandango, com a umbigada das danças negras. Palmas no tempo forte, estalar de dedos, como castanholas, com os braços erguidos para o alto e sapateios, mão na testa, a outra no quadril.
Era dançado por um casal ao som de uma viola, rabeca ou flauta e tambores. O homem dançava a fim de demonstrar todo o seu molejo e poder de conquista. A dama, altiva, se mantinha com o porte ereto e elegante. O homem de forma alguma poderia permitir que repentinamente a dama o cobrisse com sua saia durante seus requebrados e rebolados, sendo, nesse caso, desmoralizado perante todos os presentes.
O coro era cantado de improviso e tinha a função de incentivar os dançarinos através de um clima de excitação coletiva que contribuía para o bom desempenho da sua representação dramática de um jogo amoroso capaz de conduzir ao clímax sexual simbólico da umbigada.
Vários cronistas da época, escandalizados, narraram com detalhes as lascívias dos gestos. O pesquisador inglês Thomas Lindley escreve:
“O minueto e as danças populares são conhecidas e praticadas nos círculos mais elevados, mas esta é a dança nacional; todas as classes, quando põe de lado o formalismo, a reserva e, posso acrescentar, a decência, entregam-se ao interesse e ao enlevo que ela exita.”
Até 1780, só as negras e mulatas se permitiam dançar o lundum na frente de rapazes, batendo sobre o chão os pés descalços. Anos depois passou a ser dançado pelas famílias brancas dentro de suas próprias casas.
O lundum cantiga foi popularizado de tal forma que se espalhou por diversas regiões do Brasil, da ilha de Marajó ao Rio de Janeiro, cada uma com o seu sotaque, mas todas muito sensuais. Como o samba, no século XX, o lundum chegou a ser chamado de “dança nacional” e emprestou o prazer de dançar e a sensualidade para o samba de terreiro.

*Batuque: designação generalizante dada pelos brancos aos toques e festas de tambor de origem africana.

Marcus Mausan.

Modinhas

Alguns historiadores consideram o baiano Gregório de Matos (1623-1696) como um dos precursores da modinha no Brasil. O renomado Silvio Romero refere-se ao célebre poeta baiano como “delicioso cantor de modinhas e tocador de viola”. O fato de não ter restado nenhum documento musical da época comprovando tal afirmação não nos impede de fazer certas suposições, que levam a imaginar o desenvolvimento da moda portuguesa introduzida no Brasil no século anterior, até a sua completa nacionalização como verdadeira modinha brasileira no século XIX.
Este complexo processo de transformações, permeado de influências étnicas extra-européias e nutrido pelo anseio da busca de uma nacionalidade emergente na colônia, resultou em uma forma musical própria e muito fecunda – a modinha, que mais tarde, já no inicio do século XX, será um dos pilares para o surgimento de gêneros musicais essencialmente urbanos, como o choro.
Na gênese da modinha com características brasileiras, o padre mulato Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), brasileiro emigrado para Portugal, figura como uma referência fundamental. Sua atividade musical fez furor na Corte portuguesa no final do século XVIII, existindo testemunhos de sua particular habilidade de cantar e tocar viola. Publicou um livro, Viola de Lereno, em Lisboa, 1798, onde constam suas modinhas, infelizmente sem a notação musical das melodias e do acompanhamento.
Uma grande parte das modinhas dos séculos XVIII e XIX, ainda hoje conhecidas, são de autores anônimos e foram transmitidas oralmente através de gerações de seresteiros, sendo finalmente anotadas, após vários processos de transformação, por algum douto estudioso.
Com o aparecimento das casas editoras de música, das gravações e, posteriormente, do rádio, facilitando a divulgação de novidades estrangeiras, a modinha deixou de ter a preferência do público, à medida que outros gêneros apareciam, como a valsa e a polca, entre outros.
No entanto, existe um grande número de modinhas desta época, atestando o enorme sucesso que faziam nos saraus das cidades.


Marcus Mausan.